Ralf Rangnick
Futebol Eurocopa

Análise tática: como Ralf Rangnick transformou a Áustria

Uma das sensações da Euro 2024, a seleção da Áustria se classificou em primeiro lugar em um grupo que incluía a França e a Holanda. O segredo desse sucesso, além dos jogadores de qualidade como Marcel Sabitzer, Christoph Baumgartner e Marko Arnautovic, está no técnico Ralf Rangnick, uma das maiores referências táticas da história do futebol.

A Áustria impressiona com seu estilo de jogo de movimentos coordenados e bastante vertical, com a construção começando desde o passe que quebra a primeira linha de marcação com os zagueiros e terminando com a passagem dos laterais e a chegada de um dos atacantes como um falso 9. Além disso, Rangnick se utiliza bastante dos overloads pelos lados.

Isso fez com que a equipe conseguisse ótimos resultados. Após a derrota na primeira rodada para a França, mesmo jogando bem, a equipe voltou para vencer as duas partidas seguintes contra a Polônia e a Holanda, se classificando em primeiro no grupo. Neste texto, vamos entender todo o processo de Rangnick no comando da seleção, além de destrinchar seu estilo de jogo característico.

A história de Rangnick e seu processo na seleção austríaca

Ralf RangnickRangnick começou sua carreira de treinador cedo, após abandonar o futebol por conta de uma grave lesão no joelho. Após passagens por times de menor expressão na Alemanha, ele se destacou no Stuttgart, seu primeiro grande trabalho, entre 1999 e 2001. Depois disso, ele ainda foi treinador do Hannover antes de chegar ao Schalke 04, onde viu seu nome ser colocado entre os melhores treinadores do país.

Seu trabalho de maior destaque veio no Hoffenheim, quando tirou o clube da terceira divisão e o colocou na Bundesliga, saindo em 2011 após discutir com a diretoria. Após uma breve passagem pelo Schalke novamente, levando a equipe para uma semifinal de Champions League e perdendo para o Manchester United, ele alegou estar “sem energia” para treinar e assumiu como diretor esportivo na Red Bull, voltando à beira do gramado para levar o RB Leipzig à Bundesliga, criando a raiz do estilo de jogo da companhia.

Depois de treinar o Leipzig pela última vez em 2019, ele deixou o clube para ser diretor esportivo no Lokomotiv Moscou, antes de receber a chance de ser treinador interino no Manchester United, em 2021. A ideia do clube era que Rangnick dirigisse a equipe por seis meses e assumisse como diretor, mas, após várias críticas feitas à diretoria dos Red Devils e desentendimentos com os jogadores, ele saiu depois da chegada de Erik Ten Hag.

Isso abriu caminho para que ele assumisse como treinador na seleção austríaca, rapidamente impondo seu estilo de jogo e fazendo a equipe jogar muito bem. Apesar do começo ruim na Nations League, desde 2023, a Áustria só perdeu dois jogos, se classificando para a Euro em segundo no seu grupo, atrás da Bélgica. Nesse período, os austríacos venceram a Alemanha em um amistoso, colocando a equipe de vez no mapa como uma possível surpresa na Euro.

Destrinchando o ‘Gegenpressing’

O característico estilo de jogo de Rangnick ficou conhecido como “Gegenpressing”, que, em alemão, quer dizer “contrapressão”. Como o próprio nome já diz, o time de Rangnick faz uma pressão forte no contra-ataque do adversário, ou seja, a famosa “pressão pós-perda”.

Apesar de ser um termo comum no futebol hoje em dia, isso começou com Rangnick, influenciando toda uma geração de treinadores alemães, como Julian Nagelsmann, Jürgen Klopp, Thomas Tuchel, Hansi Flick, entre outros. O estilo de jogo de Gegenpressing se tornou a grande marca do futebol alemão, consagrada pela equipe que levou o título da Copa do Mundo em 2014.

O Gegenpressing é um estilo influenciado por vários treinadores de várias escolas diferentes. Os movimentos coordenados e calculados são uma influência direta de Valeriy Lobanovskiy, histórico treinador ucraniano conhecido pelo seu pragmatismo. Além disso, Helmut Gross e Ernst Happel, este último conhecido por ser o maior treinador da história da Áustria, também tiveram sua contribuição para o estilo de Rangnick.

As linhas altas que Rangnick coloca em seus times, com os zagueiros e o primeiro volante bem avançados no campo, remetem ao húngaro Zdenek Zeman, que tinha um 4-3-3 conhecido como “Zemanlandia”, fazendo muitas linhas de impedimento e contra-atacando rapidamente por isso. Com todas essas influências, vamos entender como o time de Rangnick se comporta em campo.

A Áustria de Ralf Rangnick

Áustria Ralf RangnickQuando estava no RB Leipzig, Rangnick ficou conhecido por usar seu famoso 4-2-2-2, que foi a formação tática seguida por Nagelsmann no seu início na equipe. No entanto, a Áustria inicia a partida em um tradicional 4-2-3-1, mas o maior trunfo da equipe é a movimentação constante dos jogadores. Em alguns momentos, a Áustria varia para um 4-3-2-1 quando precisa controlar o meio de campo, ou retorna para o 4-2-2-2 para povoar mais a área e ser mais agressiva.

Com a bola, a Áustria deixa um dos meias defensivos formando uma linha de três bastante alta no meio de campo, buscando criar uma vantagem numérica no meio para ter espaço para passes incisivos mais longos. Contra a França, os dois “pontas” em Sabitzer e Konrad Laimer se posicionavam entre as linhas francesas, criando espaço para os avanços dos laterais e garantindo essa vantagem no meio.

Com a movimentação constante de seus meias, isso rapidamente deixa os volantes das equipes adversárias isolados, abrindo espaço para passes incisivos que fazem a Áustria chegar à área com bastante facilidade. Com muita qualidade, os meias atacam os espaços vazios no lado do campo. Isso abre espaços na área, já que os movimentos tendem a quebrar os padrões defensivos dos adversários.

Um fato interessante é que, apesar de ser bastante ofensivo, o time austríaco não se preocupa com a posse de bola, sendo apenas a 15ª seleção da Euro nesse quesito. Além disso, trata-se de uma equipe muito efetiva, já que criou sete grandes chances no campeonato e marcou seis gols, a segunda melhor marca até agora.

Sem a bola, a Áustria usa uma pressão posicional, ou seja, uma marcação individual com linhas bem altas para atrapalhar a saída de bola com muita intensidade. Além disso, o característico Gegenpressing de Rangnick não dá chances para que as equipes pensem o jogo, pressionando com muita agressividade e forçando bolas longas, como aconteceu em diversos momentos contra a Holanda.

O maior problema desse estilo para os austríacos, no entanto, tem sido o jogo de transição. Por colocar muitos homens na parte ofensiva, geralmente os zagueiros ficam isolados quando essas linhas são quebradas, o que aconteceu contra a Holanda e França. Mesmo assim, os adversários da Áustria têm um índice de passes certos menor quando os enfrentam.

A classificação em primeiro lugar fez a Áustria de Rangnick se classificar para enfrentar a Turquia, sendo amplamente favorita para essa partida. Além disso, é seguro dizer que a Áustria joga o melhor futebol deste lado da chave, que conta com Holanda e Itália, e é uma séria candidata a chegar longe no campeonato. Tudo isso sob o comando de um gênio do futebol: o pai do Gegenpressing, Ralf Rangnick.