NBA

Nova geração do basquete: Involução, transformação ou evolução?

(por Jefferson Castanheira)Todo esporte passa por fases. O nascimento, a romântica, a física, a de ouro, a dos superstars, a da técnica. Sem qualquer exceção, o esporte é feito disso, tendencioso em medidas cavalares, de eterna transição, seja pelo interesse do espectador, pelos talentos que surgem, por modelos e por atletas que mudam o jogo. Claramente, o basquete não seria diferente, ainda mais na principal liga do esporte, a NBA. Há algumas dezenas de anos, nós tínhamos o costume de chamar a NBA de uma liga estadunidense. Hoje, por mais que a liga seja ambientada na grande potência americana, consideramos a NBA o principal palco dos jogadores do mundo, onde os verdadeiros talentos brilham e onde a verdade é praticamente absoluta, que destina sempre a vitória. A NBA globalizou, não é mais um esporte interno há muito tempo, desde o lendário ala-armador Iugoslavo Drazen Petrovic até o inesquecível Dikembe Mutombo, da República do Congo. Mas o foco aqui não é quais jogadores estrangeiros brilharam na maior liga de basquete do mundo. O que está em evidência atualmente vem de uma cultura que veio da Europa, muito bem representado no Golden State Warriors, atual campeão da liga. E sustentamos esse argumento com a total transformação do basquete, que em menos de 10 anos, sofreu uma mudança estrutural em seu jogo, talvez sustentada pelo fato do apelo europeu na liga, ou até mesmo uma exploração unilateral de talentos únicos, com menos jogadores “all around”, termo utilizado para jogadores balanceados, bons em mais de quatro ou até mais fundamentos.Pivôs flexíveis e armadores fixos: o que aconteceu com os pivôs sólidos e armadores penetrantes?Não vamos entrar no mérito dos anos 60-70 do basquete e da NBA. É até irrelevante falar sobre esse período para pautar a transformação do bola ao cesto, pelo único motivo de que tudo o que foi aprendido nessas eras, refletiu de maneira única e intensamente nos anos 80, 90 e até o fim dos anos 2000. Desde a virada da década de 70 para 80, todos os reflexos anteriores do esporte viraram um poderoso holofote: Jogadores fisicamente fortes e brutais, em todos os quesitos, dos maiores aos menores. O jogo era intensamente físico. Não era tão absurdo pensar que um jogador como Nate Robinson, um armador de apenas 1,75m de altura, daria tocos em um pivô gigantesco como Yao Ming, de 2,29m. Se você se chocou com essa informação, saiba que o basquete moderno permitia esse tipo de artifício.Os pivôs eram praticamente fixos, assim como os ala-pivôs. O garrafão era a casa deles, por nada eles sairiam daquela área, disputando rebotes ofensivos e defensivos, e impedindo jogadas de infiltração de alas e armadores. O basquete era mais simples, mais fundamental. O pivô clássico geralmente tinha a força de um caminhão e a velocidade de um Fusca em ladeira alta. Tinham baixa precisão de arremessos, porém altíssima precisão em bandejas e enterradas. Era quase religioso o icônico “Sky Hook” de Kareem Abdul Jabbar: Todo marcador sabia que ele ia fazer aquilo, mas era impossível de conter. A envergadura do pivô clássico era massiva, apenas outros pivôs conseguiriam bater de frente, ou um ala-armador muito persistente e preciso. A vantagem física dos pivôs de centro e de zona morta era imensa, mas ainda assim, era combatida. Armadores não só realizavam passes e arremessavam quando queriam. Armadores infiltravam, enterravam na cabeça dos super pivôs, ajudavam de forma quase incansável na defesa. O pick and roll e os corta luzes eram para o armador infiltrar, raramente arremessar de longa distância. Os jogadores especialistas em arremessos, os denominados “shooters”, não eram apenas máquinas de arremessar de três. Eram jogadores praticamente completos ofensivamente, sabiam driblar com uma leveza de um balé clássico, mas com um impacto de uma break dance, uma arte praticamente indecifrável, que unia quadris leves e pisadas firmes, em velocidade de uma vespa assassina. Assim podemos descrever alas e armadores marcantes de dez, vinte anos atrás. Como Allen Iverson, Ray Allen, Michael Jordan, Kobe Bryant, Reggie Miller, John Stockton, Julius Irving, Scottie Pippen, etc.  nikola-jokic.jpg E o que mudou, afinal?Tivemos uma transformação inversa. O pivô tornou-se imensamente flexível, quase por obrigação. Pivôs clássicos hoje sofrem com a velocidade que o jogo tomou, e como consequência, o esporte ficou menos físico. Raramente você vê hoje um pivô entrando em uma enterrada de contato, pois isso virou praticamente responsabilidade dos alas e ala-pivôs, que geralmente vem da lateral da quadra e atacam com impulsão vertical a cesta, muitas vezes sem resistência, já que a defesa atualmente não vem mais sendo tão valorizada no esporte atualmente. O ataque sobressaiu a importância da defesa? Não exatamente. A liga hoje carece de times realmente impactantes defensivamente, e jogadores também. As marcações ficaram mais abertas e muitas vezes são “dribladas taticamente”, devido ao pick and roll e o corta luz mudarem de vantagem e objetivo. Se antes essas funções eram para ajudar na infiltração, hoje elas servem para deixar o especialista em arremessos livre. Os armadores e ala-armadores estão cada vez menos infiltrando, jogando no perímetro, contando com a ajuda dos ala-pivôs e alas mais pesados para ficarem livres e realizarem seus arremessos. O conceito de “shooter” mudou. Com pivôs cada vez mais flexíveis e “all around”, o armador praticamente não tem mais trabalho incisivo, apenas focando em oportunidades de passe quando a defesa não está presente e arremessando insistentemente na marca dos 3 pontos, tornando o basquete um jogo mais mental, psicológico e menos físico e fundamental. Armadores que driblam e infiltram hoje são raridade, praticamente únicos como Kyrie Irving, um dos últimos armadores “all around” da liga. Tanto que jogadores fisicamente perfeitos e com mais de três talentos no basquete sobressaem completamente na quadra, tornando-se super estrelas, como Kevin Durant e o interminável LeBron James, ambos alas, que armam, fazem o trabalho sujo de um pivô, agem de maneira decisiva defensivamente e estão em todos os lados da quadra.Afinal, o basquete involuiu, evoluiu ou transformou-se?A questão de que se evoluiu ou regrediu é pessoal. Se você é mais conservador e amante do espetáculo, com certeza tende a crer que o basquete tornou-se mais chato, praticamente “roubado”. Se você é amante das precisões e das táticas sem bola, com certeza crê que o esporte evoluiu. Mas independente da sua posição sobre isso, o fato é que de fato o basquete sofreu uma metamorfose, e ela ainda está longe de acabar. Com a globalização, os estilos do jogo estão ficando cada vez mais mistos, miscigenados, se assim podemos dizer. O físico basketball dos EUA encontrou a precisão tática e mecânica europeia. O mundo globalizou, a NBA também. E isso está longe de acabar. Espera-se pelo menos que um dia a defesa volte a ter fator mais decisivo, já que hoje, estamos na era mais ofensiva de arremessos da história do esporte e da liga. O importante é que a essência continua a mesma, independente da receita. Apenas uma coisa não mudou: o amor pela quadra e a bola ao cesto.

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