Por Isaac SimõesSe podemos resolver qualquer problema, então por que perdemos tantas lágrimas? O primeiro verso da canção “Everytime You Go Away”, de Paul Young, pode nos dar um caminho para entender um pouco sobre a história de ressurgimento do clube da terra natal do cantor: o Luton Town Football Club. A equipe de 138 anos de idade viveu um verdadeiro roteiro de cinema nos últimos anos, chegando a disputar a 5ª divisão inglesa para, a partir de agosto deste ano, voltar à Premier League.Fora da elite do futebol inglês há 31 anos, o Luton Town nunca disputou a Premier League e chegou a ameaçar fechar as portas. Mas o amor dos torcedores do condado de Bedfordshire impediu que as atividades da equipe fossem encerradas. Como? Em tempos que virou rotina a venda de clubes a mega bilionários, um grupo de torcedores dos Hatters preferiu outro caminho. Eles criaram um consórcio para adquirirem o clube, que atualmente tem sua diretoria formada por adeptos, ídolos e membros da comunidade local.Não foi fácil. Para conseguir retornar aos holofotes do futebol da Inglaterra, o time do sudeste britânico passou décadas esquecido e, nem de longe, lembrava a equipe que fez parte do pioneirismo da profissionalização do esporte no Reino Unido, sendo um dos poucos clubes a ter jogadores exclusivamente dedicando suas vidas a atuar nos gramados, enquanto os adversários ainda eram amadores. O Luton passou a maior parte de sua história revezando entre a segunda e terceira divisões. Nos anos 1980, viveu a melhor fase nos campeonatos nacionais, permanecendo na elite por dez consecutivos. Porém, de 1990 em diante, as coisas pioraram. Diante de gestões duvidosas e crises, os Hatters sofreram três rebaixamentos em menos de dez temporadas, tendo como ápice da tragédia a temporada 2008/09, quando foram parar na 5ª divisão, formada por clubes semiprofissionais. A volta dos HattersA equipe de Bedfordshire só conseguiu o acesso à quarta divisão (onde estão os clubes da Football League) em 2013/14. A temporada é significativa e marca a chegada de um dos jogadores mais queridos pela torcida: Pelly-Ruddock Mpanzu. O meia congolês foi emprestado pelo West Ham ao Luton, inicialmente, e depois contratado em definitivo. Com ele, os Hatters conseguiram chegar à terceira divisão em 2017/18, à Championship na sequência e agora, no último dia 28 de maio, veio o retorno à Premier League.O sonhado retorno à elite veio após uma campanha surpreendente. O time fez 80 pontos em 2022/23 e terminou a segunda divisão na terceira posição, precisando disputar os playoffs para carimbar o acesso. E assim aconteceu. O Luton bateu o tradicional Sunderland primeiro, e no jogo decisivo, diante do Coventry City, em Wembley, conquistou a vaga na elite nacional, nos pênaltis, vencendo por 6 a 5 após empate em 1 a 1 no tempo normal.Os desafios serão grandes, agora, pois o Luton terá como adversários os gigantes europeus, como a dupla de Manchester (City e United) , o Liverpool, o Chelsea e outros que a tabela colocará frente a frente com o Luton Town. Aliás, se por um lado os próximos anos do clube prometem ser bem diferentes dos momentos de crise, pelo menos financeiramente (o clube recebeu 170 milhões de libras pelo acesso) os dirigentes sabem que precisarão abrir os cofres para ao menos não retornarem às divisões inferiores do futebol inglês logo de cara. Mudanças no clubeAlém de investimento em jogadores mais experientes, os Hatters precisarão reformar o modesto e simpático Kenilworth Road. Um dos estádios mais icônicos do futebol mundial, a casa do Luton Town não se adequa aos padrões da Premier League. O campo foi construído no entorno de casas de Bedfordshire e tem capacidade para apenas 10 mil pessoas, sendo que os visitantes precisam passar por dentro de um bar e pelo jardim de um dos moradores da região para chegarem às arquibancadas. Os detalhes do Kenilworth Road podem levar os mais saudosistas ao delírio, mas precisarão passar por mudanças logo mais. A diretoria acredita que gastará aproximadamente 10 milhões de libras na reforma do estádio e, por isso, permanecer na Premier League em 2023/24 é o principal objetivo do clube, que receberia uma quantia milionária de cotas de TV dependendo da posição final. Lembrando que, na Premier League, 50% do dinheiro é dividido igualmente entre as equipes, 25% pela posição final na tabela e os demais 25% pela quantidade de jogos transmitidos para a TV do Reino Unido.Se a posição final do Luton Town será a melhor para o cenário atual do clube, só o tempo dirá. Para quem tem como principal título de sua história a Copa da Liga Inglesa de 1987/88, sobre o Arsenal, ter impedido a falência e fazer parte diretamente do ressurgimento da equipe é, sem dúvida, o maior orgulho que os torcedores dos Hatters poderiam ter. A história de amor e reconstrução do Luton Town pode ser explicada por diversos olhares. Seja como na música de Paul Young, como uma epopeia no cinema, ou, quem sabe, nas próprias palavras do ídolo Pelly-Ruddock Mpanzu à BBC após recolocar o clube na primeira divisão da Inglaterra: “Acho que zerei o futebol, posso me aposentar. Passei por altos e baixos, mas aqui estou.”
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